segunda-feira, maio 21, 2007
A preguiça. Sinto-me sem forças para a combater. Para me levantar. Lá fora tocam as Avé-Marias e um qualquer galo rouco insiste em recordar-me que o dia inundou a terra e que é hoje que todas as coisas mudam. É hoje que a felicidade se faz presente e que mais nenhum homem verterá uma lágrima. A vida espreita pelas frestas da janela deste quartinho branco perdido no meio do campo. Há tanta realização lá fora enquanto me acomodo, adormecido pela serenidade deste quarto. Sinto-me feliz nos lençóis macios e na almofada fofa. É hoje. E eu com tanta preguiça para me levantar.
(fotografia por Carla Cabral)
terça-feira, maio 15, 2007
Ao encontro
Partiu. Os olhos fizeram-se madrugada depois da noite em que lhe murmurou um ténue adeus. Caminhou até à exaustão como se a sua vida dependesse disso. As pessoas olhavam e pensavam que caminharia até chegar ao cabo do mundo. Mas não foi preciso tanto. Afinal ele dirigia-se apenas ao mesmo local onde tantos outros se dirigiam. Uns por fé, outros para pagar uma promessa. Ele ia apenas pelo caminho. Não esperava encontrar uma Virgem Luminosa ou ver o sol dançar. Talvez almejasse apenas um pouco de luz no seu coração. Percorreu estradas e caminhos. Subiu serras e atravessou aldeias. Sentou-se e escutou as histórias dos peregrinos que seguiam o mesmo caminho. Falou com aqueles que o acolhiam e lhe saciavam a fome e a sede. Os que carinhosamente lhe cuidavam dos pés. Viu as lágrimas que corriam pelo rosto dos que, como ele, chegaram ao vale almejado. E até houve quem o visse sorrir. Dizem que algures pelo caminho encontrou o que procurava.
(fotografia por Luís Rodrigues, Serra de Minde, 2007)
Thinking blogs, Meme's, e demais bloguices
Antes de mais as minhas desculpas pelo silêncio face às 3 nomeações para thinking blog que me foram gentilmente atribuídos por "O Cheiro da Ilha", "Inteira Luz" e "Espaços, Compassos e as Palavras": só a vossa gentileza explica essas nomeações.
O tempo tem sido escasso e não me tem permitido interagir na blogosfera tanto como gostaria. No entanto, vou agora "remediar" a minha ausência com as cinco nomeações solicitadas:
"Inteira Luz" (porque será sempre o primeiro)
"O Cheiro da Ilha" (pela qualidade de textos e fotografias)
"Infinito Pessoal" (um espaço para sentir, pensar e aprender)
"Casa de Maio" (pelas janelas que nos mostram a magia do mundo real)
"Labirinto de Olhares" (uma descoberta recente que me viciou)
Vamos agora ao Meme:
"É preciso muito caos interior para parir uma estrela que dança." F. Nietzche
Os "supra" nomeados sintam-se à vontade para lançar os seus Meme's!
PS: Um beijinho em especial à Maria d'O Cheiro da Ilha. O meu silêncio não é distância: é pouco tempo para o que me dá prazer, lol
segunda-feira, maio 07, 2007
Farewell
Sabes? Dizem que é de madrugada que se foge. Não te sei dizer quando foi a primeira vez que fugi, mas se foi numa madrugada terá sido numa bem distante. Não que isso importe porque ao fim e ao cabo todas as madrugadas são iguais: místicas transições de noites arrebatadoras para os dias a que teimamos chamar "realidade". O que importa é que desde esse momento nunca mais parei de fugir. É que o olhar determinado engana. A postura confiante também. Tenho medo. E muito. Desde uma primeira madrugada em que acordei coberto de luar num quartinho perdido no alentejo. Um luar que me expunha a inevitabilidade do partir e a fragilidade daquilo a que teimava em agarrar-me com todas as forças. Segui o seu apelo e até hoje não deixo de caminhar. Queria dizer-te para onde mas sinto que eu próprio não o sei. Apenas parto porque tenho que partir. Também não te posso assegurar que seja um modo de vida, uma vez que a fuga não é algo que deseje. E não me perguntes o que desejo porque é uma pergunta que cairá sobre mim com demasiado peso para as minhas capacidades para o suportar. Neste momento apenas te posso dizer que tenho que partir. E que assim continuarei. Até ao momento em que sinta que não tenho mais que o fazer.
(imagem: "Vale or Farewell", por Arthur Hacker)
quinta-feira, maio 03, 2007
Silêncio
A noite era a sua plateia atenta. Todos queriam assistir ao que se seguiria. Rasgou as amarras verdes e todos os sons ficaram suspensos perante a nívea aparição da primeira ponta branca. Ainda havia muito esforço a empreender. Iam ser necessários ânimo e empenho. As nuvens recolheram-se àquele cantinho longínquo onde se juntam para descansar e a lua pôde então vestir o vale da mais diáfana prata. A brisa lambeu a vegetação e enfeitou-a de fresco orvalho. O invólucro foi-se rasgando e todas as ninfas de todas as folhas de todas as árvores cantaram a primeira canção que se ouviu desde que a terra existe. A mesma que cantam até aos dias de hoje. Animado e num último fôlego o jarro comprimiu-se e explodiu abrindo o manto alvo. Desmaiou em seguida e o silêncio dominou a noite. Um silêncio de adoração por mais uma flor que desabrocha. Um silêncio cortado pelo toque do telefone. "Sim? Diga-lhe que espere que eu vou já para a sala de reuniões." Tanta coisa para fazer e eu envolto em tolices de criança. Para que quer o mundo saber de um jarro?
(fotografia: Luís Costa)