(Ao João)Claro que não fui capaz. Alguma vez achaste que seria? A alma ainda tem demasiados vincos e o seu cheiro ainda é o do teu corpo. "Anima-te homem", incentiva o João no seu jeito alegre, enquanto me leva a um café onde poderemos conversar entre tragos arrancados às chávenas. Ele não sabe que já estive uma vez nesse café. Uma única vez, no dia em que te conheci. Entramos e eu insisto, num gesto de derradeira catarse, que nos sentemos na mesa de cadeiras altas lá no canto. A mesa onde nos sentámos. Sem perceber a minha fixação acede e permite-me que me sente na cadeira que entretanto escolhi. Foi assim naquela noite. Foi assim ainda há pouco. Sentámo-nos então e percebi que o local não tinha mudado muito. A mesa ainda lá continuava e as pessoas ainda se vestiam de aromas, beijos e conversas. Ainda havia o quotidiano, a paixão e a música. Ainda havia eu e ainda havia um sonho de ser feliz que a cada dia se vai tornando mais ténue porque o tempo come-me as forças e tu não as vens restaurar. Ainda havia Lisboa lá fora, com carros, prédios, cinemas e lojas. Ainda havia tudo, pensava o João, e só eu sabia o que faltava.