Cem murmúrios depois
Obrigado pela companhia ao longo destes 100 posts. Um obrigado especial à Ana Prado e à Cristina.


Os ventos secos do tempo ceifaram-lhe as penas da alma. Lá longe ceifeiras cantavam e ao som do seu choro distante a cinza fez-se papoilas rubras. Alegrias intensas de uma fragilidade que ninguém adivinha. O sol vestiu-lhe o ser de oiro e o sorriso surgiu a medo. As pernas ergueram-se determinadas e os braços rasgaram o ar. Abraçaram o mundo e esqueceram os dias em que se enrolavam num colo que segurasse os estilhaços do que ele fora. Agora passa por ti tão distante. E tão solto. Passeia sonhos de água fresca pelo meio da planíce seca. Dizem que veio cá ter vindo de uma praia distante. Que nessa praia a espuma lhe lavou as feridas e as ondas lhe murmuraram caminhos de felicidade. Teve medo de partir mas nunca duvidou que acabaria por o fazer. Que semearia grãos de dor e que deles brotaria vida. Escutou cada murmúrio até ganhar coragem. Diz-se que ainda hoje os escuta. Cem murmúrios depois.
(fotografia por J. Ribas, vista de S. Bartolomeu do Outeiro, 2006)