Dezoito horas (e um café)
Sentei-me aqui no café, sozinho, a ver o dia entardecer num crepúsculo desfeito em água. Tenho duas chamadas do Bruno e uma mensagem com um convite da Cristina para jantar. Presentes e preocupados, como sempre. Um afecto que hoje não quero porque apenas tu poderás apagar a melancolia destas dezoito horas com o teu sorriso. E as feridas deste cansaço que me tomba apenas tu as poderás lavar. E para isso basta que venhas. Sei que chove e estás longe. Que tens que ir para casa. Mas arde ainda em mim uma última brasa de esperança que teima em pintar com a sua luz ténue os teus gestos e a tua voz, quando chegares. Aperto a chávena com o café entre as mãos, pressionando o destino para que nos arremesse um contra o outro nesta tarde, como noutras. E com uma garfada, arrebato o último pedaço da fatia de um bolo de iogurte que não me torna mais doce a espera. Dezoito horas e quinze minutos e talvez estejas neste momento a descer um pé do altar das tuas necessidades e preocupações para me resgatares desta mesa que me enquadra numa solidão que não quero e não mereço. Talvez faças o esforço supremo de me estenderes os teus braços. O som das moedas no balcão canta a despedida dos últimos clientes. Dezoito horas e trinta minutos e todo eu sou um dique imenso que se esforça por conter um pranto pela tua ausência, tentando não macular esta água com o sal da saudade. Dezanove horas. Peço a conta e olho a chávena, já fria e com um resto de café, que ornamentou a mesa do meu entardecer. É tão amargo o último trago.
(Pintura: "Still life with coffee cup and spoon", Jos Van Riswick)
2 murmúrios:
Este comentário foi removido pelo autor.
Como doem as esperas inúteis!
O sabor do café, a saudade, a chuva,o relógio... Tudo a deixar na alma aparas de imperfeição nesse entardecer.
L.B.
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