(in)diferente
Se tu soubesses como o céu carregado de medos cinzentos se desfaz contra os vidros da janela do gabinete, escorrendo em gotas de miséria e desespero. Como as folhas se multiplicam nas pastas e o volume de cada processo parece rebentar de apensos. As letras de cada palavra atropelam-se sem sentido e correm confusas fugindo ao meu olhar e a estas mãos que as tentam agarrar num último impulso. Os almoços são insípidos e os talheres tocam nos pratos dobrando a finados. O cabelo e o sobretudo fundem-se numa poça negra ensopada por tantas chuvas, o passeio estende-se sem fim, os ombros dos outros empurram-me indiferentes. Os teus beijos são beliscões neste cadáver. Cai a noite. Abraça-me, disse o rapaz-homem-velho.
(fotografia: "O medo", por Rui Vale de Sousa)
4 murmúrios:
O medo é como a crise, anda por aí; não vemos, mas senti-mo-lo.
"...e os talheres tocam nos pratos dobrando a finados." Magnífico, Luís. Magnífico.
Só se lamenta se houver, por detrás de um texto destes, o sofrimento que escorre das suas linhas...
Um abraço, amigo. E os dias, não esqueças, estão cheios de azul.
Não se pode ser indiferente à tua escrita, sempre fantástica!
Tinha saudades de ler.
Beijinho e um Feliz Natal, todos os dias...
Menino homem...
E o raio ds folha ds processos cheias de meninos, de homens, de lágrimas, de caminhos que levam a lado nenhum.
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