Fotos do passado
Silêncio. A lua entra pela janela e estende-se por cima da cama. Por cima do lençol que nos cobre os corpos. O meu. O teu. Observo a silhueta do teu corpo que se afirma por baixo do lençol. O corpo longe. Já não dormimos agarrados como dantes. Penso nos últimos dias. Vão mais longe que estes dias no Alentejo. Vão até Lisboa. Mas agora estamos no Alentejo. E nem este Alentejo que sempre foi tão meigo para mim me dá a paz de que preciso esta noite. A lua revela-te a meu lado nesta cama. Longe. Os dois. Um do outro. O sono já não é cumprido ao compasso dos beijos a meio da noite. Da entrega. Do toque. Do abraço apertado. Estamos longe. E não sou capaz de me aproximar. Sobressalto. De repente este luar tão revelador tornou-te evidente. E a mim. Não consigo. Não sou capaz de permanecer nesta cama deitado a teu lado. Perdoa-me. Não sou capaz. Não consigo evitar pensar. "O que é que eu faço aqui?" Uma sensação que não quero chamar de repulsa. Mas não tenho outro sinónimo para lhe atribuir. Olho uma última vez para o teu rosto. Agora tenho a certeza que não é a ti que eu quero. E esta sensação. Não suporto. Levanto-me. Não consigo partilhar o leito contigo. Perdoa-me. Mas não consigo. É que a lua hoje mostrou-me. Mostrou-te. O Alentejo sussurrou-me que não és tu que eu quero a meu lado. Não sei quem será. Apenas sei que não és tu. Vou até à divisão contígua ao quarto e aí me estendo. Deito-me. O isolamento invade-me. E eu enrolo-me em mim. O medo do que será impede que as lágrimas se atrevam a espreitar. Ainda não é hoje que te vou chorar. Entrego-me a um estado meio adormecido. E dou por ti. Sinto a tua presença. Estás frente a mim. Provavelmente olhas-me. Estás imóvel. Deixo-me ficar de olhos fechados. Voltas para a cama. E eu fico. Já não consigo voltar a adormecer. A inquietação. As dores nas costas (este colchão é bem pior que o teu). O frio. O receio de assumir definitivamente uma atitude de ruptura. Regresso ao quarto. Deito-me. O corpo imóvel. Estático. Mexes-te. Aproximas o corpo do meu. Como há muito não fazias. Beijas-me no rosto. Procuras a minha boca com a paixão do primeiro mês. E é apaixonadamente que me beijas. Procuras-me o sexo. Manifesto-me. Não. Não me apetece. Nesta noite não me entrego. Precisamos de falar. "Está bem. Mas é melhor falarmos amanhã". Ok. Mas amanhã de manhã falamos mesmo. E eu fico. Imóvel. Contigo a meu lado. Mas só. "Dorme". Não sou capaz. A luz inunda as minhas pupilas que olham o tecto. A madeira. A mesma que viu noites de entrega. De beleza. E que agora contempla a minha solidão. "Então pelo menos fecha os olhos. Sempre descansas. Vai tudo correr bem. Vais ver que vale a pena tentarmos." Está bem. Eu fecho-os. Nesta noite. Fecho-os na certeza de que o sol se pôs. Que a lua veio. E que me revelou. Que nos revelou. Fecho-os na certeza de que entre nós o sol já se pôs. E de que não vale a pena tentarmos.
(Photo by José Ribas)
3 murmúrios:
"A dor, por sua vez, é causada pelas (in)decisões tomadas e assumidas...será que foram mesmo assumidas?!? Ou simplesmente não terá havido coragem para desenhar um futuro num papel de contornos incertos..."
Manuel, a coragem virá... juntamente com A pessoa certa :)
Caro Luís,
Muito "tocante" este relato da descoberta do fim de um amor e da dificuldade em lidar com esse facto.
Há já alguns dias que tento entrar no teu blogue, sem sucesso. Agora percebi que não fui só eu. Ainda bem que voltaste. A partir de agora, que te encontrei, vou poder passar a visitar-te com frequência.
Um beijo.
descobri este "som" por acaso, como tantas outras coisas na vida...e estou a gostar!
Enviar um comentário
:: INÃCIO :: O Murmúrio das Ondas ::