entardecer-me
Encostei o corpo matizado de agosto à parede branca e deixei-me ficar. Tinha uma caneta na mão e um bloco. Aquele que tem na capa um cartaz do "Fado e cigarros" que comprei naquela livrariazinha no Chiado, lembras-te? Lisboa tão longe... Com a caneta tentei escrever a alguém que se interessasse como passava os meus dias, como me encontrava. Lá em baixo o mar fazia-se estrondo e as gaivotas gritavam loucuras... cada segundo mais próximo do crepúsculo revelava um universo que explodia em carmim. Escrevi a paciência, a serenidade, a aventura e, por vezes a solidão. Depois escrevi a fúria dos ventos que empurrava as falésias e do mar que arrebatava rochas e areias. Escrevi a costa selvagem, enfurecida, dominada. E o entardecer escreveu-me homem. Escreveu-me o calor na pele e o aroma de sal no cabelo. Antes de adormecermos ambos na primeira noite do início do mundo.